O desenvolvimento da criança na primeira infância é um período crucial para a formação de suas bases cognitivas, sociais e emocionais. Atualmente, somos marcados pela presença cada vez mais intensa de tecnologias digitais, que exercem uma influência significativa no desenvolvimento infantil.
As creches, como primeiros espaços de socialização fora do ambiente familiar, têm um papel fundamental na mediação dessa relação. A utilização de tablets nesses ambientes pode ser uma ótima ferramenta para o aprendizado, mas é crucial encontrar um equilíbrio entre o mundo digital e as experiências do mundo real.
O papel das creches no desenvolvimento infantil
A creche é um espaço essencial para a primeira infância, desempenhando um papel significativo tanto no desenvolvimento educacional quanto social da criança. Mais do que um local de cuidado, é uma rede que envolve a família e amplia os horizontes do pequeno, proporcionando um ambiente repleto de novas experiências. Para que a adaptação seja eficaz, a inserção da criança deve ocorrer de forma gradativa, com um período de adaptação que permite a ela explorar esse novo ambiente, que até então era desconhecido. Durante essa fase, ela descobre os cantos, as cores e as interações com outras crianças e adultos, construindo suas primeiras impressões fora do núcleo familiar.
A creche contribui de maneira ampla para diferentes aspectos do desenvolvimento infantil:
Desenvolvimento social
O convívio com outras crianças da mesma idade ensina a compartilhar, colaborar e se comunicar, habilidades essenciais para o desenvolvimento social e inteligência emocional, tornando a criança mais preparada para lidar com emoções e desafios ao longo da vida.
Desenvolvimento cognitivo
A creche oferece atividades que estimulam o raciocínio lógico, a coordenação motora e a percepção visual e auditiva, criando um ambiente seguro e estimulante para o desenvolvimento dessas competências essenciais.
Desenvolvimento da linguagem
Com atividades como rodas de conversa e contação de histórias, a creche amplia o vocabulário e melhora a comunicação, especialmente para crianças que têm menos estímulos linguísticos em casa.
Segundo Clara Bousada, professora de Educação Infantil e influenciadora pedagógica, a creche é muitas vezes o \”primeiro espaço de socialização da criança depois da família, onde ela descobre que há um novo mundo para além daquele que já conhece.\” A interação com outras crianças e a mediação dos adultos fortalecem o desenvolvimento emocional e social, ajudando os pequenos a expressarem opiniões e sentimentos com segurança. “Os ganhos de frequentar uma boa creche são motores, emocionais, cognitivos e sociais. Por isso, considero bastante relevante o seu papel no desenvolvimento infantil”, conclui Clara, enfatizando como esse ambiente impacta positivamente o desenvolvimento da criança, preparando-as para o futuro de maneira mais completa e equilibrada.
A influência do meio social e da educação no comportamento infantil
A vida social das crianças, seja na creche, na escola ou em outros ambientes, exerce um impacto direto sobre suas habilidades de comunicação e comportamento. Na creche, por exemplo, as interações com outras crianças ensinam a compartilhar, respeitar limites e desenvolver a comunicação, enquanto a interação com os pais continua sendo fundamental para o desenvolvimento emocional.
“No meu ponto de vista, a escola deve sempre buscar acolher as famílias, suas necessidades e desejos, mas, ao mesmo tempo, se manter segura e confiante de que é ali que estão os profissionais que estudaram sobre pedagogia e educação\”, afirma a educadora Clara Bousada. Ela ainda reforça que a família deve acompanhar o desenvolvimento da criança, mantendo uma relação de confiança e proximidade com a creche, baseada em transparência e diálogo.
No entanto, como mostrou um estudo australiano, o excesso de tempo na creche nos primeiros três anos de vida pode estar associado a problemas de comportamento. Por isso, quando possível, é recomendável que os pais tirem um tempo extra para interagir com os filhos fora do ambiente escolar, promovendo momentos de convivência familiar, como passeios ao parque ou à praia, que fortalecem os laços e equilibram as experiências de socialização da criança.
Interação humana e o uso de tablets na educação infantil
A primeira infância, que abrange os primeiros cinco anos de vida, é uma fase crucial para o desenvolvimento emocional das crianças, período em que ocorre um avanço importante no amadurecimento cerebral e na construção de vínculos familiares. Essa fase possibilita aos pequenos o começo da identificação de emoções e a prática da comunicação. Como ressalta a professora Maria Letícia do Nascimento, da Faculdade de Educação da USP, \”é exatamente essa possibilidade, em relação a conhecer histórias, ouvir músicas, de ter o outro por perto, de ter diferentes relações sociais estabelecidas, é isso que vai fazer com que eles tenham uma experiência significativa.\”
As creches, especialmente preparadas para essa faixa etária, são espaços onde as crianças podem interagir com outras, explorar diferentes brinquedos e ter contato com profissionais capacitados. Esse ambiente seguro promove relações sociais fora do contexto familiar, fortalecendo o desenvolvimento emocional e social dos pequenos.
Por outro lado, o uso excessivo de telas como tablets, celulares e TVs durante a infância, embora frequentemente utilizado como uma forma de acalmar as crianças enquanto os pais cuidam de suas tarefas, pode ter efeitos negativos no desenvolvimento infantil. A psicóloga Anna Lucia King, do Instituto Delete/UFRJ, alerta: \”Os pais costumam trancar a porta de casa quando saem e esquecem que deixam os filhos em casa com tablet ou alguma conexão com a internet que é uma porta aberta para rua, para o mundo.\”
Pesquisas recentes corroboram essa preocupação, destacando que o uso excessivo de telas pode comprometer habilidades de linguagem e sociabilidade nas crianças. Um estudo canadense, que acompanhou 2,5 mil crianças de dois anos, indicou que o uso prolongado de telas estava associado a um aumento de frustrações e irritabilidade ao longo do tempo. Esse ciclo negativo no desenvolvimento emocional pode refletir no comportamento da criança, como explica a pediatra Evelyn Eisenstein, da UERJ: “A criança está chorando, e o pai entrega o tablet. Talvez se essa criança estivesse chorando, se esse pai pegasse essa criança no colo? Dá trabalho, mas é um vínculo afetivo.\”
Apesar disso, há nuances no uso das telas. Nem todas as atividades de tela são prejudiciais. Algumas, como programas educacionais e aplicativos interativos, podem até ser benéficas quando utilizadas corretamente e com acompanhamento. Porém, é importante que os pais fiquem atentos a sinais de alerta de uma obsessão pouco saudável pelo tempo de tela, como:
- Resistência persistente em participar de atividades sem tela;
- Dificuldade na transição do tempo de tela para outras tarefas;
- Preocupação excessiva com o conteúdo digital em detrimento das interações no mundo real.
Estabelecer limites e monitorar o tempo de tela são práticas recomendadas por diversos especialistas. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por exemplo, recomenda que crianças até dois anos não tenham acesso a dispositivos digitais, e que, dos dois aos cinco anos, o uso seja limitado a uma hora por dia, sempre com conteúdo apropriado e supervisão dos pais. Para as idades entre seis e dez anos, o limite é de duas a três horas diárias. Já na adolescência, o tempo de tela deve ser equilibrado com atividades físicas para manter o bem-estar físico e mental.
Assim, ao invés de usar os dispositivos como meras ferramentas para acalmar ou entreter, os pais podem utilizá-los de forma ativa e construtiva. \”Se quiser usar tablets com seus filhos, interaja com eles; comente o que vê na tela; jogue junto com ele, revezando na brincadeira e comentando o que acontece\”, orienta Maria Letícia do Nascimento. O mesmo se aplica à TV e outros dispositivos. Dessa forma, a experiência se torna mais significativa, transformando a tecnologia em uma ferramenta de aprendizado e vínculo afetivo, promovendo o desenvolvimento integral da criança.
O desafio da tecnologia: como moderar o tempo de tela
A tecnologia é frequentemente utilizada como uma maneira de acalmar e entreter as crianças enquanto os pais realizam suas atividades diárias. No entanto, o uso excessivo de telas, como TV, tablets e smartphones, pode colocar as crianças em um estado passivo, limitando o desenvolvimento de habilidades como a criatividade e o engajamento ativo, fundamentais para o crescimento saudável. Como alerta uma pesquisa feita pela Revista Crescer, em 2018, 38% das crianças brasileiras com menos de 2 anos já possuem um dispositivo digital, o que, segundo especialistas, pode prejudicar a capacidade de gerenciamento emocional e a comunicação entre pais e filhos.A Academia Americana de Pediatria (AAP) aconselha que as famílias estabeleçam períodos livres de telas, como durante refeições ou deslocamentos no carro, e denominem espaços da casa onde dispositivos não são permitidos, como nos quartos. Já o Royal College of Pediatrics and Child Health (RCPCH) sugere que os adultos observem o próprio tempo de uso de telas, servindo de exemplo para as crianças. A maioria dos especialistas também indica que as crianças não usem telas uma hora antes de dormir, permitindo que o cérebro relaxe adequadamente para o sono.
Equilibrar o tempo de tela e fortalecer os laços familiares
Fortalecer a conexão com as crianças pode ser simples e valioso, especialmente por meio de atividades que incentivem a imaginação, a colaboração e momentos de qualidade em família. Um ponto importante destacado por especialistas é o impacto que o uso excessivo de telas pode ter no desenvolvimento infantil. “Crianças que passam mais horas usando telas podem perder oportunidades de se envolver em atividades, como interações com cuidadores ou brincadeiras com outras crianças, que são essenciais para treinar e, eventualmente, determinar o [seu próprio] autocontrole”, escreveram pesquisadores em um artigo publicado pela JAMA Pediatrics.
Aqui estão algumas sugestões para ajudar a equilibrar o tempo de tela e reforçar laços familiares:
Reflexões da semana sem tela
Ao reduzir o tempo de tela do seu filho, aproveite para refletir sobre o impacto que isso traz no comportamento, no humor e na dinâmica familiar. Essas observações são valiosas para entender as necessidades de desenvolvimento e ajustar os limites de tela de forma consciente
Estabeleça limites claros
A recomendação é evitar o tempo de tela não supervisionado até os dois anos de idade, priorizando sempre conteúdo educacional. Conforme a criança cresce, estipule limites diários de tempo e use controles parentais para garantir conteúdos adequados e alinhados com os valores da família.
Dê o exemplo
A melhor forma de ensinar é demonstrando. Mostre aos seus filhos que o uso limitado e intencional de telas faz parte de uma rotina saudável. Inclua atividades não relacionadas a tecnologia para dar o exemplo de equilíbrio.
Participe de atividades conjuntas
Encoraje atividades que promovam interação face a face, como jogos de tabuleiro, brincadeiras ao ar livre e passeios em família. Quando necessário, use a tecnologia em conjunto com seu filho, modelando o uso saudável e desfrutando de momentos de qualidade.
Capacite seu filho a limitar seu próprio tempo de tela
Envolva seu filho no processo de gestão do tempo de tela. Ensine-o a usar temporizadores para as sessões diárias, promovendo autonomia e responsabilidade na hora de equilibrar o uso da tecnologia com outras atividades enriquecedoras.
Crie zonas sem tela
Defina áreas da casa onde as telas não são permitidas, como o quarto ou a sala de jantar. Esse limite físico reforça a importância de momentos sem tecnologia e contribui para um ambiente diversificado e saudável.
Felicidade, família e a importância do vínculo afetivo
Promover um ambiente familiar acolhedor traz inúmeros benefícios para o desenvolvimento das crianças. Quando os pais dedicam tempo de qualidade a atividades conjuntas, eles ajudam não apenas a melhorar o comportamento dos filhos, mas também fortalecem sua saúde mental e a capacidade de construir relacionamentos saudáveis no futuro. Esses momentos de interação pessoal, longe das telas, proporcionam um espaço onde a criança se sente valorizada e compreendida, criando uma base emocional sólida.
Estudos, como o publicado no Australasian Journal of Early Childhood, mostram que as crianças demonstram mais felicidade ao participarem de atividades com seus pais do que durante o tempo em frente a aparelhos digitais. Além disso, os pais que participaram do estudo perceberam que estabelecer limites para o uso de dispositivos eletrônicos se tornou mais fácil ao priorizarem esses momentos em família. Iniciar uma semana sem tela, por exemplo, pode ser um passo importante para quem busca equilibrar o uso da tecnologia e criar laços familiares mais fortes.
Conclusão
Criar filhos na era moderna traz desafios singulares, onde o equilíbrio entre tecnologia e interação humana se torna essencial para o desenvolvimento da criança. As creches e dispositivos tecnológicos, como o tablet, têm seus benefícios, mas é a presença e o afeto dos pais que promovem um desenvolvimento físico, emocional e social mais completo.
Apesar da tentação de recorrer ao \”tablet como babá\”, é possível e necessário reformular essa relação. O uso excessivo de telas pode impactar negativamente o comportamento e a capacidade de interação das crianças, limitando seu desenvolvimento emocional e social. Como diz a pediatra Evelyn Eisenstein, “criar uma ‘criança do tablet’ pode parecer uma consequência não intencional da era digital, mas nunca é tarde para remodelar essa relação com a tecnologia.” Ao estabelecer limites e incentivar atividades fora das telas, os pais cultivam uma infância mais equilibrada e menos dependente de estímulos digitais.
A interação familiar e as brincadeiras ao ar livre são fundamentais para que os pequenos desenvolvam resiliência emocional e habilidades sociais. Ao priorizar momentos de qualidade e experiências compartilhadas, os pais não só fortalecem os laços afetivos, como também ajudam a preparar uma nova geração que, além de ser tecnologicamente habilidosa, é emocionalmente equilibrada e socialmente apta para os desafios do mundo.