Telinhas: pode ser bom, se moderado. E muito ruim, se exagerado ou precoce

Embora seja comum ver crianças com dispositivos eletrônicos nas mãos, o uso de telas na infância pode ser tanto benéfico quanto prejudicial. Isso vai depender da quantidade de tempo que essas crianças estão expostas a esses aparelhos e do tipo de conteúdo que estão consumindo.

Não é segredo que um aparelho eletrônico, quando bem utilizado, pode contribuir para o aprendizado da criança, especialmente no ambiente escolar. No entanto, é fundamental que as crianças também tenham experiências que estimulem sua criatividade e habilidades. Atividades como brincar ao ar livre, realizar atividades manuais e explorar o mundo ao seu redor são essenciais para o aprendizado e a socialização.

Os pais também devem entender que os recursos tecnológicos não transformarão seus filhos em gênios como Sheldon Cooper, da série Young Sheldon. O que realmente promove o desenvolvimento da inteligência e do caráter das crianças são as interações com outras pessoas, a leitura de livros e uma variedade de experiências de aprendizado. Embora joguinhos em dispositivos eletrônicos e programas \’educativos\’ na TV possam ter seu valor, a construção de habilidades cognitivas e emocionais acontece principalmente por meio de relações interpessoais e atividades que estimulem a curiosidade.

Portanto, neste artigo, vamos explorar os benefícios e malefícios do uso de telas na rotina das crianças, além de discutir a relação entre criança e tecnologia. Também abordaremos as recomendações de órgãos competentes e associações, como a Sociedade Brasileira de Pediatria.

Interação criança e tecnologia

Se você, pai ou mãe, continua com a ideia fixa que o uso de celulares, tablets, computadores e programas voltados para crianças na TV é a única maneira de deixar seu filho mais inteligente, é hora de reconsiderar.

Segundo a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), crianças menores de 2 anos de idade não devem ser expostas a telas. Para crianças entre 2 e 5 anos, o uso de dispositivos deve ser limitado a, no máximo, uma hora por dia. Enquanto o tempo para os pequenos entre 6 e 10 anos pode ser de uma a duas horas diárias, o tempo de uso para crianças maiores e adolescentes, entre 11 e 18 anos, não deve exceder três horas de tela por dia, incluindo o uso de videogames.

Desenvolvimento dos pequenos além das telas

Quando se trata do desenvolvimento de bebês e crianças, nada se compara às trocas afetivas diretas, como abraços, carinho, olhares, sorrisos, conversas e atividades compartilhadas. A interação com o outro e os cuidados diários, como o banho, as refeições, os papos e os passeios, são fundamentais. Já para as \”crianças mais velhas\”, o ato de brincar com o pai ou responsável é importante, assim como oferecer brinquedos simples e livros, que ajudam a criança a criar seu próprio universo lúdico e imaginário.

Por isso, aproveite os momentos preciosos de interação entre você e seu filho. Incentive atividades como a leitura de livros, brincadeiras com bonequinhos, jogos de casinha ou até contar uma história em voz alta. Esses momentos também são essenciais para o crescimento dele. Ao se envolver nessas atividades, você, como pai ou mãe, está ajudando a criar uma pessoa mais empática e criativa.

Segundo a médica pediatra Shana Vendruscolo, em entrevista ao portal GZH, “há um amplo conjunto de pesquisas associando o ato de brincar na infância ao desenvolvimento cerebral, melhorando a capacidade executiva da criança, linguagem, habilidades matemáticas, interação social e o pensar criativamente”. A médica explica que o brincar mantém as crianças longe das telas. Isso é fundamental, pois, embora a tecnologia faça parte do universo infantil, é essencial reduzir o tempo de exposição.

O que diz a Sociedade Brasileira de Pediatria

Em 2020, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou o Manual de Orientação #MenosTelas #MaisSaúde, visando promover a saúde e o bem-estar de crianças e adolescentes diante do crescente uso de tecnologias digitais. O documento oferece diretrizes para diferentes idades, destacando a importância de estabelecer limites e garantir a supervisão de adultos durante o uso de telas para entretenimento.

Entre as principais recomendações atualizadas pelo novo manual, destacam-se:

  • Evite a exposição de crianças menores de dois anos às telas;
  • Para crianças com idades entre dois e cinco anos, o limite de tempo de telas é de, ao máximo, de uma hora por dia, sempre com supervisão;
  • Crianças com idades entre seis e 10 anos, o limite não deve exceder a duas horas por dia, e está sempre com supervisão;
  • Limitar o tempo de telas e jogos de videogames a duas ou três horas por dia, sempre com supervisão;
  • Não deixar seu filho  “virar a noite” jogando para adolescentes com idades entre 11 e 18 anos;
  • Para todas as idades: nada de telas durante as refeições;
  • Desconectar uma a duas horas antes de dormir;
  • Estimular atividades esportivas, exercícios ao ar livre ou em contato direto com a natureza, sempre com supervisão responsável;

segurança, senhas e filtros apropriados para toda família, incluindo momentos de desconexão e mais convivência familiar.

Quais são os motivos para os pais deixarem os filhos em frente às telas?

Seja para manter os filhos quietos em lugares como restaurantes, ônibus e salas de espera, ou para facilitar a realização de tarefas cotidianas, muitos pais recorrem ao uso de dispositivos eletrônicos. A seguir, apresentamos outros motivos que fazem os pais aderirem a essa prática:

  • Entretenimento: Mantém as crianças ocupadas e distraídas, oferecendo uma forma fácil e imediata de lazer;
  • Descanso: Sabe aquele momento de 5 minutos em que é possível realizar algumas atividades? Muitos pais usam telas como uma forma de ter um tempo de descanso ou para executar essas tarefas;
  • Educação: Há muitos conteúdos educativos disponíveis em plataformas digitais que podem beneficiar o aprendizado das crianças;
  • Fácil acesso: Hoje em dia, é muito comum encontrar dispositivos eletrônicos em quase todos os lugares, o que facilita para os pais permitir que seus filhos utilizem essas tecnologias;
  • Falta de alternativas: A escassez de atividades ao ar livre ou opções de lazer pode levar os pais a escolherem telas como a principal forma de entretenimento para os filhos.

Riscos do uso de telas na infância

Embora o uso da tecnologia por crianças possa trazer benefícios, ele se torna problemático quando é excessivo ou precoce. Essa não é apenas uma mera opinião, mas uma preocupação destacada por muitos especialistas. Motivos não faltam para que os pais ou responsáveis deixem os filhos em frente à TV, ao computador ou ao smartphone, seja por necessidade ou pressão social.

Entre esses malefícios estão o desenvolvimento de transtornos, como dificuldade de concentração, ansiedade e isolamento social, entre outros.

Para a assessora de políticas públicas e coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde Digital da SBP, Evelyn Eisenstein, os jovens dão sinais da dependência da tecnologia. “Se a criança começa a ficar isolada ou apática, tem queda no rendimento escolar ou muda repentinamente de humor, é melhor ligar o botão de alerta”. A pediatra recomenda equilibrar as horas de computador com as de esporte e lazer ao ar livre, em entrevista ao jornal Estado de Minas.

Segundo estudiosos, muitos jovens já apresentam sintomas de vício em eletrônicos, como  a queda no rendimento escolar, a insônia e o nervosismo sem causa aparente. Para o coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Programa Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Cristiano Nabuco, a “dependência de internet” está a um passo de se tornar a mais nova classificação psiquiátrica do século 21.

Impacto no comportamento infantil

Assim como as telas podem ser ferramentas valiosas, o uso excessivo interfere no desenvolvimento saudável das crianças. No ano passado, a revista científica JAMA Pediatrics publicou um estudo que mostra que crianças que passam mais tempo expostas a telas no primeiro ano de vida apresentam atrasos no desenvolvimento da comunicação e da resolução de problemas entre os 2 e 4 anos. Essa descoberta foi feita por pesquisadores da Universidade de Tohoku, no Japão, que analisaram 7.000 bebês entre 2013 e 2017.

No artigo, os autores escreveram que \”uma meta-análise mostrou que o maior uso da tela foi associado à diminuição das habilidades de linguagem, enquanto o tempo de tela gasto em programas educacionais foi associado ao aumento das habilidades de linguagem. Como é difícil limitar o tempo de tela em geral no mundo atual dos dispositivos eletrônicos, pode ser benéfico identificar e limitar os aspectos do tempo de tela associados a atrasos no desenvolvimento, aproveitando os aspectos educacionais\”.

Efeitos nocivos à saúde mental

Quando mais tempo jovens passam em frente a telas, isso pode causar alguns problemas tanto no cérebro quanto na saúde mental. De acordo com pesquisas, o uso excessivo pode mudar a estrutura do cérebro, especialmente em áreas que ajudam a controlar impulsos e a sensação de prazer. Além disso, essas áreas nos ajudam a regular nossos desejos e a nos sentirmos bem quando fazemos coisas legais. 

Um estudo da revista JAMA Pediatrics também apontou que crianças que estão frequentemente conectadas a telas têm alterações em uma parte do cérebro chamada substância branca, que é essencial para atos como pensar, tomar decisões e ter autocontrole. 

Outro fator a ser considerado quanto a exposição, é que ela está ligada a um aumento nos sintomas de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Isso significa que as crianças podem ter mais dificuldade em se concentrar em tarefas que exigem mais atenção por um período mais longo.

Principais problemas médicos

O uso desenfreado de dispositivos pode influenciar o comportamento infantil, prejudicando a convivência familiar. Quando as crianças estão sempre conectadas, há uma redução na interação com os familiares, e isso pode afetar os laços familiares.

A seguir, estão os principais problemas médicos e alertas de saúde de crianças e adolescentes na era digital, conforme divulgado no manual da SBP:

  • Dependência Digital e Uso Problemático das Mídias Interativas- Problemas de saúde mental: irritabilidade, ansiedade e depressão;
  • Transtornos do déficit de atenção e hiperatividade;
  • Transtornos do sono;
  • Alimentação menos saudável;
  • Transtornos de alimentação: sobrepeso/obesidade e anorexia/bulimia;
  • Sedentarismo e falta da prática de exercícios;
  • Bullying & cyberbullying;
  • Transtornos da imagem corporal e da auto-estima;
  • Comportamentos auto-lesivos, indução e riscos de suicídio;
  • Aumento da violência, abusos e fatalidades;
  • Problemas visuais, miopia e síndrome visual do computador;
  • Problemas auditivos e PAIR, perda auditiva induzida pelo ruído;
  • Transtornos posturais e músculo-esqueléticos;
  • Riscos da sexualidade, nudez, sexting, sextorsão, abuso sexual, estupro virtual;
  • Dores de cabeça.

Benefícios das telinhas

Quando moderado, o uso de tela pode ser bom para a criança. Segundo um estudo publicado no The Journal of Pediatrics, que acompanhou 356 meninos e meninas com 2 anos de idade, crianças pequenas que passam no máximo uma hora por dia em frente às telas e que são fisicamente ativas apresentam melhor desempenho em habilidades relacionadas à memória, atenção e controle emocional.

O tempo de tela ativo, que inclui atividades fisicamente envolventes, como videogames ativos (por exemplo, Nintendo Wii e PlayStation Move), ou atividades cognitivamente envolventes, como fazer lição de casa ou jogos que desenvolvem habilidades visuais e espaciais, mostrou ter efeitos positivos nas crianças. Esse tipo de uso do tempo de tela pode melhorar a aptidão física, o desempenho acadêmico, a regulação da atenção, a resolução de problemas e a socialização, de acordo com um estudo publicado no Australasian Journal of Early Childhood. A seguir, confira agora algumas vantagens:

Desenvolvimento Cognitivo e Educacional

O uso de aplicativos educativos e vídeos pode estimular o aprendizado de habilidades cognitivas e linguísticas. Por exemplo, as crianças podem aprender novas línguas, matemática e ciências de forma interativa.

Coordenação Motora

Os jogos de videogame podem ajudar as crianças a desenvolver melhor a coordenação motora e a rapidez de reação a estímulos. Além disso, essas atividades podem promover habilidades de resolução de problemas e pensamento estratégico.

Criatividade

As plataformas digitais oferecem oportunidades para expressar criatividade, como arte digital, música e outras atividades para crianças e jovens.

Socialização

O lado bom das telas é que elas auxiliam na interação entre jovens e crianças. Elas permitem que as crianças se conectem com amigos e familiares, fortalecendo os laços sociais.

Moderação no uso

O Brasil é o segundo país que mais passa tempo em frente às telas, segundo um levantamento da Electronics Hub, ficando atrás apenas da África do Sul. É provável que já tenhamos noção de que passamos cerca de 9 horas e 32 minutos por dia em eletrônicos, o que representa quase 57% do tempo que estamos acordados. Dessas 9 horas, cinco são dedicadas ao trabalho e quatro às redes sociais.

A moderação no uso de telas é crucial para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Com a crescente presença de dispositivos digitais na vida cotidiana, é fundamental entender tanto os benefícios quanto os riscos associados ao seu uso excessivo. Mas como garantir esse uso mais equilibrado?

Listamos algumas dicas que você pode aplicar com seu filho para garantir um uso mais equilibrado das telas:

  • Limite o tempo de tela: Estabeleça horários específicos para o uso de telas, como após as lições de casa ou durante o fim de semana, evitando o uso durante as refeições ou antes de dormir;
  • Rotina diária: Crie uma rotina que inclua momentos de atividades offline para as crianças, como leitura, jogos ao ar livre e tempo em família;
  • Faça acordo: Estabeleça um acordo sobre o tempo de uso de telas, envolvendo as crianças no processo para que elas se sintam parte da decisão;
  • Dias sem tela: Tente implementar dias ou períodos específicos em que o uso de telas é proibido, como durante as férias ou nos fins de semana;
  • Atividades Offline: Atividades presenciais não faltam para entreter as crianças. Ofereça uma variedade de opções que não envolvem telas, como jogos de tabuleiro, artesanato, esportes e leitura. Além disso, incentive a exploração de hobbies criativos, como pintura, desenho, culinária ou mais atividades manuais;

Crie desafios: As crianças gostam de ser desafiadas, por isso, crie competições em família para passar mais tempo longe das telas. Por exemplo, quem consegue ler mais livros em um mês ou quem faz mais atividades ao ar livre;

  • Momentos em família: Aproveite momentos como esse para interagir de maneira significativa, conversando ou compartilhando atividades juntos;

Aplicativos de monitoramento: Por fim, utilize aplicativos que permitam monitorar e limitar o tempo de tela do seu filho.

Publicidade infantil e o papel dos pais no consumismo

Muitos pais utilizam o que chamamos de \”distração passiva\” para entreter as crianças enquanto atendem às suas demandas, permitindo que elas assistam a vídeos ou joguem sem interagir de forma ativa. Essa prática está, de fato, relacionada à pressão do consumismo e à publicidade voltada para o entretenimento infantil, o que pode levar a um uso excessivo de telas.

A internet é um espaço complexo e desafiador, e proteger as crianças, especialmente contra a exploração comercial, é uma missão enfrentada pelos pais. Com a hiperconexão, surgem novos hábitos de consumo e novas formas de publicidade.

As marcas fazem publicidade direcionada às crianças porque elas influenciam as decisões de compra dos adultos. Elas entendem que as crianças expressam seus desejos de forma clara, e os pais muitas vezes compram o que elas pedem.

Projeto cria campanha para alertar população sobre riscos do uso excessivo de eletrônicos

Os dispositivos eletrônicos têm gerado preocupações significativas em relação à saúde das crianças. Tanto que o Projeto de Lei 3354/23, que tramita na Câmara dos Deputados, foi criado para conscientizar, especialmente crianças e adolescentes, sobre os riscos do uso excessivo desses dispositivos para a saúde física, mental e emocional.

De acordo com o texto, a campanha Abril Roxo deverá promover ações de conscientização em escolas, universidades, órgãos públicos e outras instituições. Entre as atividades previstas, estão:

  • Palestras;
  • Debates e seminários;
  • Oficinas e capacitação de educadores e profissionais da saúde;
  • Atividades de lazer e interação social sem o uso de dispositivos eletrônicos;
  • Divulgação de materiais educativos.

Conclusão

Em um mundo cada vez mais tecnológico, é impossível proibir o uso de telas na infância e na adolescência, embora seja possível estabelecer regras para moderar seu uso.

Assim como discutimos que a exposição precoce às telas pode afetar a saúde das crianças, também destacamos os benefícios que esses dispositivos podem oferecer. Cabe aos pais e responsáveis estabelecer regras para garantir que seus filhos tenham acesso a ambos de forma adequada e saudável.

Embora o uso da tecnologia por crianças traga benefícios importantes para seu crescimento, o contato com a natureza, a interação com outras crianças e a relação com cuidadores também são essenciais. Por isso, neste artigo, buscamos abordar esses diversos aspectos para ajudar vocês, pais, que não sabem por onde começar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *